Do respeitável parque jurássico dos profissionais da Comunicação Empresarial restam, infelizmente, poucos “exemplares” no activo. Parecerá no mínimo desconcertante que o jovem Autor deste libreto trágico-cómico ousasse desafiar um dos mais velhos profissionais da Comunicação para prefaciar esta colectânea de alegorias, recortadas da realidade com o fino estilete de um sátiro da nova vaga.
E, se outras razões não se adivinham, é então, de admitir que o Autor tenha vislumbrado neste provecto cidadão nado em 1939* sinais vitais encorajadores para um derradeiro (cruzes, canhoto!…) acto de irreverência, pontuando uma actividade profissional de mais de 35 anos de actividade a “comunicar acção e desenvolver solidariedades”, sempre nos meios empresariais.
Assim se encomendou o prefácio ao velho criativo e este… a alma ao Criador**.
Assentes os honorários***, lancei mãos ao trabalho.
Três factores, importa dizê-lo, levaram-me a aceitar o convite:
Primeiro: (e não “em primeiro”, como um iluminado redactor publicitário sela, em anúncio recente, a assinatura de uma conhecida instituição, esquecendo que a locução adverbial é de “lugar” e não de “tempo”. Enfim, liberdades publicitárias, ou crassa ignorância).
João Moreira dos Santos iniciou a sua actividade empresarial a meu lado, nos idos de 93, integrado numa pequena equipa com responsabilidades transversais na Comunicação e Imagem de um Grupo financeiro. Dotado de uma escrita criativa e dinâmica, com uma sólida formação teórica adquirida num curso pragmático no ISCEM, cedo ficou responsável pela área da Comunicação e aí se revelou. Inclusivamente na paciência evangélica com que aturou um chefe exigente, que gostava de polvilhar a oralidade e a convivência quotidianas com um vocabulário temperado entre o erudito e o vernáculo.
Da nossa relação de trabalho resultaram, estou certo, algumas mais-valias recíprocas: o Autor terá aprendido que o bom senso e o rigor são as bases em que assenta toda a Comunicação Empresarial e a chave do seu êxito. Junte-se-lhes a criatividade e aí temos a Comunicação como uma das variáveis estratégicas da Empresa, assente num sistema dinâmico e interactivo, onde nunca será possível praticar uma Comunicação externa eficaz, negligenciando a Comunicação Interna.
Para mim, que sempre aprendi algo ao lado dos mais jovens que ajudei a formar profissionalmente (partindo da premissa de que em cada indivíduo germina um talento à espera de oportunidade para se revelar e distender), serviram-me a partilha e o convívio como uma “cura de rejuvenescimento” ideal na perigosa faixa dos 50 anos, despertando-me para novas realidades, técnicas e valores emergentes. E ambos ganhámos com esta relação de trabalho. Cimentou-se ainda uma amizade que perdura até que…**
Segundo: O estilo irónico, inteligente e ousado que o Autor perfilha e está bem patente nestas “Inconfidências de Incomunicação”; diverte e ensina ao mesmo tempo. A mordacidade não é patológica, pelo que não exige cuidados especiais, a não ser a precaução de acompanharmos o seu raciocínio vivo, sorrindo e pensando a um só tempo para não perdermos pitada de uma caricatura bem “esgalhada” ou de um epílogo surpreendente em cada estória.
Terceiro: (completa o segundo)
Não é obra acabada (quantas estórias por contar!…), mas é escorreita e fica longe de uma crónica de escárnio e mal-dizer. Salvaguardando o anonimato das personagens e das organizações, o Autor respeita a ética e a deontologia das Relações Públicas – o que saudo – e traz à superfície questões que, no domínio da Comunicação integrada, urge suprir.
É também a seu modo um acto de fé na competência profissional e, num plano mais lato e subtil, um apelo a uma visão de longo prazo dos nossos gestores e empresários, hoje mais apostados em gerir a estabilidade no curto prazo e onde a declinação do verbo “flexibilizar” parece ser uma ladainha colectiva e o pau-santo da virilidade económica das empresas.Esquecendo as Pessoas por onde tudo passa, seja a criatividade, a compreensão dos acontecimentos ou a capacidade de adaptação a novas situações.
Tudo se faz, senhores pregoeiros da economia global, com as Pessoas.
E para amenizar estes pensamentos perturbadores, aqui vai, a talhe de foice, uma estória surrealista, em traços “draculianos”, vivida por este vosso amigo em finais dos anos 80, num cenário regiamente castelar – o que dá um ar mais nobre e consistente ao fecho deste prefácio.
Maio de 2004
Luís Teixeira da Mota
*Ao que dizem, a berrar que nem um desalmado, naquilo que foi considerado pelo núcleo familiar (incluindo a porteira) o meu primeiro acto de comunicação com o mundo ou, quiçá, um vagido de protesto contra o início da II Guerra Mundial.
** Decididamente, fico por aqui quanto a pensamentos lúgrubes… Haja Deus!
*** Como prometi atrás abandonar pensamentos lúgrubes, escuso-me a revelá-los em público